O PERMANENTE E O PROVISÓRIO
O casamento é permanente, o namoro é provisório.
O amor é permanente, a paixão é provisória.
Uma profissão é permanente, um emprego é provisório.
Um endereço é permanente, uma estada é provisória.
A arte é permanente, a tendência é provisória.
De acordo? Nem eu.
Um casamento que dura 20 anos é provisório. Não somos repetições de nós mesmos,
a cada instante somos surpreendidos por novos pensamentos que nos chegam
através da leitura, do cinema, da meditação. O que eu fui ontem, anteontem, já
é memória. Escada vencida degrau por degrau, mas o que eu sou neste momento é o
que conta, minhas decisões valem pra agora, hoje é o meu dia, nenhum outro.
Amor permanente... como a gente se agarra nesta ilusão. Pois se nem o amor pela
gente mesmo resiste tanto tempo sem umas reavaliações. Por isso nos
transformamos, temos sede de aprender, de nos melhorar, de deixar pra trás nossos
imensuráveis erros, nossos achaques, nossos preconceitos, tudo o que fizemos
achando que era certo e hoje condenamos. O amor se infiltra dentro da nós, mas
seguem todos em movimento: você, o amor da sua vida e o que vocês sentem. Tudo
pulsando independentemente, e passíveis de se desgarrar um do outro.
Um endereço não é pra sempre, uma profissão pode ser jogada pela janela, a
amizade é fortíssima até encontrar uma desilusão ainda mais forte, a arte passa
por ciclos, e se tudo isso é soberano e tem valor supremo, é porque hoje
acreditamos nisso, hoje somos superiores ao passado e ao futuro, agora é que
nossa crença se estabiliza, a necessidade se manifesta, a vontade se impõe –
até que o tempo vire.
Faço menos planos e cultivo menos recordações. Não guardo muitos papéis, nem
adianto muito o serviço. Movimento-me num espaço cujo tamanho me serve, alcanço
seus limites com as mãos, é nele que me instalo e vivo com a integridade
possível.
Canso menos, me divirto mais, e não perco a fé por constatar o óbvio: tudo é
provisório, inclusive nós.
Martha Medeiros