O jeito mineiro de ser é o quê? E por quê? O ser mineiro é
um modo particular de ser que se pode descrever, mas que é difícil de se
entender. É mais para calado que falante. Quem fala muito dá bom dia a cavalo,
dizia a minha mãe para conter o meu ímpeto falatório. Quem fala se expõe, se
arrisca, pode parecer bobo, meio idiota, exibido, ridículo. Mineiro morre de
medo do ridículo, de ser gozado, criticado. Quer matar um mineiro? Ria dele!
Por isso todo mineiro toma a iniciativa da gozação. Chega, fica num canto e
arranja logo alguém pra gozar. É capaz de tomar a iniciativa de gozar a si
próprio para não ser gozado por outrem. Falar mal de alguém é um modo de se
proteger da fala do outro. Mas falar mal pode ate ser um modo de falar bem,
porque o pior é não ser falado. Cair no ouvido.
Fica calado e fica quieto, gesticular também não dá, pode
parecer espalhafato, teatro, representação. Quem se mexe desperta atenção,
instiga a caça, fica vulnerável, na mira do ataque. Ficar quieto, fingir de
morto, no silêncio, na tocaia de si próprio, protegido do outro. Mineiro que
veio do mato sabe de caça e de caçador. Milton já cantou o “Caçador de Mim”.
Mineiro não abre a guarda, não mostra a casa, não exibe a
riqueza, não grita da janela, não sai correndo de jeito nenhum. Chega devagar,
fica devagar, e sai mais devagar ainda. Tem que se proteger de algo.
Mineiro olha por cima, mas não de cima. Mineiro falante veio
de fora. Mineiro direto, aberto, agressivo, é desvio de rota, não é caminho
normal. Mineiro é ético, não se arrisca no roubo, no assalto, na aventura. O
erro pode não dar certo. Mineiro é mais da ordem, do caminho percorrido,
conhecido, estabelecido. É mais status quo que mudança de status. É mais terno
que manga curta, mais sapato que tênis, mais automóvel que carro esporte. Mais
casamento que caso fora de casa. Mais café preto que chás variados.
Já a mineira é tudo isso que o mineiro e muito mais. Se pede
com o olhar, se esconde na recusa. É mãe mesmo quando não tem filhos. Até os 20
é um pecado, depois é muito mais. Transpira todos os pecados numa virtude só.
Surpreende depois te esquece. Te ama com paixão depois te deixa sem dó nem
piedade. Basta por os óculos escuros ou mesmo ray-ban que vira outra pessoa,
sem remorso. Porque a mineira não se reduz ao mineiro, foi muito além. Mineira
é ótima, diferente dos demais seres humanos, vem de um fundo que ninguém sabe,
de um interior que não tem mapa, fronteiras desconhecidas.
E tudo isso pode ser visto e sentido, não explicado. Pode
ser descrito mas não fundamentado. É porque veio do interior ou nunca saiu de
lá. É porque sempre foi camponês e se escondeu detrás das serras e dos montes.
É porque foi judeu novo, migrante corrido, foragido desconfiado do que chega
atrás de suas origens. É porque teme a Deus e conversa com o diabo. É porque
não tem certeza do certo e duvida até do duvidado. Gosta do reverso e começa
tudo pelo contrário torcendo para dar certo. É porque se ri do moderno é porque
sabe que tudo no fundo é mesmo muito antigo, sempre renovado.
Mas porque tudo isso, de onde veio e para onde vai? Ninguém
vai saber por que não se fala, se olha e se ri como se tudo já tivesse sido
dito. O sabido do ignorado.
Se um dia o Brasil acabar, Minas continua. Tem horizonte
para tal, tem substância. Para durar, tem ainda muitos casos para contar,
distancia a percorrer, pecados a espiar, contas para fazer, saudades a matar.
Minas vive em dívida consigo mesma, fazendo promessas para
pagar. É sua forma de ser eterna nesse trivial do cotidiano. Vive sangrando
minério, exportando seu ser para o mundo, em silenciosos trens que não param de
ir sem nunca mais voltar. Levando Itabirito, Itabira, Conselheiro Lafaiete.
Montanhas. Minas é o único lugar do mundo que exporta montanhas e não fica
rica.
Por tudo isso é que quando tenho vontade de rever o Brasil
vou a Minas Gerais. (…) E volto cheio de mim, carregado de coisas, como se
tivesse mergulhado no tempo e me perdido no espaço, virado de repente um ser
planetário vivendo no interior do mundo.
Minas para mim tem várias cidades e poucos endereços: é
Bocaiúva, Neves e Belo Horizonte. É rua Ouro Preto e Ceará. A primeira mudou de
nome, na segunda sumiram com minha casa. Minas na verdade hoje é mil amigos que
não vejo e minha mãe. Bença mãe!
Herbert de Souza, o Betinho
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